Desde que chegou ao Brasil, a
cubana Yoani Sánchez tem sido alvo de protestos de simpatizantes do governo de
Cuba, em grande parte estudantes universitários. E as manifestações vão desde
os ataques pessoais – chamam-na de “mercenária” e “agente da CIA” – até
agressões físicas.
É uma questão tormentosa
estabelecer os limites da liberdade de expressão. Instituir qualquer modalidade
de censura prévia é um passo perigoso no sentido de amordaçar a imprensa,
estratégia fartamente utilizada por todo regime totalitário, seja qual for a
sua corrente ideológica.
Por outro lado, porém, permitir
que divulguem livremente fatos, muitas vezes inverídicos e de maneira
irresponsável, arruinando a honra e a vida das pessoas, também não parece
muitas vezes razoável, ainda que os agressores possam ser punidos
posteriormente.
Mas há um aspecto da questão que
toca mais diretamente no ponto que estamos tratando: a liberdade de expressão
vai ao ponto de se permitir os ataques pessoais e até impedir que o opoente
possa se manifestar?
Penso que a resposta a indagações
dessa natureza nos remete a considerar, uma vez mais, em toda a sua extensão e
profundidade a incomensurável dignidade humana. Mas isso não pode ser uma mera
consideração teórica, um discurso acadêmico ou, pior ainda, uma espécie de
anestésico para acalmar os ânimos nas disputas entre grupos divergentes. Trata-se de considerar – porque essa é a
verdade – que cada mulher e cada homem que povoa o planeta é uma pessoa, única
e insubstituível.
Esse modo “olhar o outro” terá
consequências práticas. Trata-se, por exemplo, de ouvir com atenção e respeito
– pela milésima vez... – o mesmo pedinte do semáforo, sempre com a mesma
história. É o caso, também, de se esforçar por ser atencioso prestativo com o
colega de trabalho, parente ou vizinho que nos é menos simpático.
E essa mesma postura nos levará a
respeitar as pessoas que pensam radicalmente diferente de nós em matéria de
política, religião, futebol ou qualquer outra questão opinável.
Assim, penso ser especialmente
graves e inadmissíveis as agressões que mencionávamos no início. É
perfeitamente possível não concordar em nada com as ideias do outro. Também
será legítimo contrapor-se a elas e manifestar, de preferência com argumentos
racionais, essa divergência. Contudo, sempre se deve preservar incólume a sua
pessoa.
Esse mesmo critério é válido
também quando se tem a certeza de que alguém está equivocado em determinado
assunto. O respeito à pessoa do outro não depende da instauração do relativismo
nas relações humanas. É possível chamar claramente o erro de erro, preservando
sempre, porém, a pessoa e a honra daquele que erra.
Nesse aspecto, talvez o grande
mal esteja no mau uso dos adjetivos. Tomemos um exemplo corriqueiro. O marido
chega a casa atrasado por três vezes numa única semana. Na terceira vez, a
esposa, cansada, diz: “você é sempre impontual”. Ou, pior ainda, o pai diante
de uma nota baixa do filho desabafa: “você é um preguiçoso!”. Esse modo de
falar, de expressar um pensamento, não contribui para um diálogo saudável, nem
para suscitar uma disposição de melhora no outro.
Imaginemos que, nas mesmas
situações, a esposa dissesse: “Querido, você chegou tarde três vezes nesta
semana. Isso prejudica a dinâmica da nossa família. Há algo que possamos fazer
para que isso não aconteça com tanta frequência?”. E o pai poderia dizer:
“Filho, você não tirou uma nota boa nessa disciplina. O que podermos fazer para
melhorar?”.
É claro que a linguagem
jornalística ou mesmo os debates ideológicos não se podem tratar nesse mesmo
nível. Por vezes as críticas poderão e deverão ser duras e contundentes. No
entanto, devem se voltar para a reprovabilidade de ações praticadas, se for o
caso, preservando, na medida do possível, as pessoas que as praticam. E na
discussão das ideias, uma pitada de humildade e de saber escutar antes de falar
talvez traga mais brilho e sabor ao diálogo.