Há poucos meses, ocorreu um
incidente com um filho meu que bem pode ser o ponto de partida do tema
proposto: a consciência. Ele deixou a carteira e o celular sobre um veículo,
estacionado defronte a nossa residência, enquanto retirava a mochila do
porta-malas. Entrou em casa e notou a falta dos objetos, retornando
imediatamente. O amigo que o deixou, porém, já havia partido. Fez uma busca
minuciosa nas redondezas e ligou para o amigo, de modo a se certificar que não
havia esquecido no interior do veículo. Tudo em vão.
No dia seguinte, ao elaborar o
boletim de ocorrência, sugeri que qualificasse o fato como furto, pois, ainda
que tenha esquecido, se alguém pegou os objetos sobre o carro cometeu furto e,
se os encontrou no chão, no mínimo cometeu o crime de “apropriação de coisa
achada” que é um delito, tal como o furto, praticado contra o patrimônio
alheio. Além disso, a notícia do furto isentaria do pagamento da taxa para
emissão do novo RG. No entanto, o rapaz foi irredutível: “Pai, a única coisa
que sei é que perdi a carteira e o celular. Se alguém furtou ou se apropriou
indevidamente eu não sei. Por isso, não me parece correto fazem um B.O. de
furto”.
Confesso que a primeira reação
foi de vergonha, ao notar que pudesse estar sugerindo algo pouco ético,
sentimento que logo cedeu lugar a uma imensa satisfação por ver frutificar na
vida de um filho as virtudes que com tanto esforço tentamos cultivar. Mas,
orgulho de pai a parte, penso que a questão bem comporta algumas considerações.
O incidente me fez lembrar uma
frase do saudoso Arcebispo Metropolitano de Campinas, Dom Bruno Gamberini,
proferida numa atividade de formação da Comissão de Bioética e Defesa da Vida
da Arquidiocese: “Deus nos julgará pela nossa consciência”. De fato, a
consciência é um reduto inviolável de todo ser humano, onde cada qual tem o
direito de estar a sós com o Criador.
“Cada homem deve agir em
conformidade com o que lhe diz a sua consciência. Deus infunde a sua luz na
nossa inteligência e, se a não apagamos voluntariamente, estamos capacitados
para fazer o bem sem necessidade, num primeiro momento, de uma ajuda exterior
especial. Mais que isso: não devemos seguir os conselhos de outra pessoa quando
são contrários ao que, no mais profundo do nosso coração, consideramos ser bom”
(A liberdade vivida com a força da fé; Jutta
Burggraf. Lisboa: Diel, 2012. P. 94).
É certo que o ambiente, de certo
modo, pode dificultar que se procure, encontre e ouça essa voz que age no mais
íntimo do nosso ser. No entanto, não poderá jamais apaga-la por completo.
Por vezes ocorre, porém, que
somos nós próprios que tentamos tapar os ouvidos da alma, porque os seus
ditames podem nos parecer demasiado exigentes. E podemos ser muito criativos
nesse intento: “todo mundo faz isso...”, “se eu deixar de fazer outro fará...”,
“uma propinazinha inocente não fará mal a ninguém...”, “bem, eu assumi esse
compromisso, mas faz tanto tempo, as coisas mudaram, naquela época eu era tão
imaturo...”.
É curioso notar como o silêncio
incomoda tanto as pessoas do nosso tempo. Há uma necessidade e uma compulsão
para elevar o som do rádio, ligar a TV ao chegar a casa, ainda que não
estejamos diante dela. De que temos medo ao ficarmos a sós conosco mesmos? Será
que nos aflige encontrar uma voz que, nos mais das vezes é suave e não nos
força a nada? Mas em sua suavidade, não hesitará e nos instar: vá por aqui,
seja mais paciente com esse colega, mais afetuoso com esse filho, sacrifique-se
um pouco mais por sua esposa, por seu marido...
A propósito, apenas para não
deixar o leitor curioso, fizemos o Boletim de Ocorrência por perda de
documento. E confesso que aquela taxa e o tempo não poupado no Poupatempo para
pagá-la foram os mais bem gastos dos últimos tempos. Afinal, quanto vale uma
alma? E é precisamente isso que vendemos (ou jogamos fora) quando não seguimos
os ditames de uma consciência bem formada.
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