segunda-feira, 29 de outubro de 2012

É possível amar o mundo?

Se alguém nos perguntasse se é possível amar esse mundo em que vivemos, qual seria a resposta? A pergunta é um tanto vaga, de modo que poderíamos respondê-la de modos diferentes. Além disso, é comum que cada indivíduo se fixe num determinado aspecto: a natureza, o local em que se vive, as relações de amizade, a política e os governantes a que está sujeito etc. Além disso, influirá a tendência mais otimista ou pessimista de cada um.
Apesar dessas variantes, se nos voltarmos para a nossa realidade social, é provável que se levantem muitos obstáculos que impedem ou dificultam amar de verdade o mundo em que vivemos: violência, corrupção, drogas, desagregação da família e dos valores familiares, jovens desnorteados e desesperançados etc.
Nesse cenário, e diante daquela pergunta provocativa, talvez alguns já digam de plano: “Não. Não é possível amar esse mundo, a menos que as pessoas e as relações humanas mudem significativamente”. Outros, talvez no afã de construir uma resposta mais assertiva, se lancem a pensar que aqueles problemas não existem, ou que se exagera. Outros ainda, talvez se ponham a pensar que não tem nada que ver com aqueles problemas, de modo que lhes cabe levar a sua vida no seu canto e do seu jeito.
Contudo, penso que deveríamos aprofundar mais na questão. Afinal, vivemos nesse mundo e, queiramos ou não, dele fazemos parte e nele estabelecemos as nossas relações familiares, profissionais e sociais. Enfim, é aqui que construiremos (ou não) a nossa felicidade. E questionamento dessa envergadura exige reflexão mais profunda. Assim, antes de respondermos se é possível amar esse mundo em que vivemos, temos de nos questionar sobre a razão da nossa existência. Em suma: o que estamos fazendo aqui?
É muito motivador pensar que a nossa vida é muito importante, mesmo que considerada no contexto da humanidade inteira em toda a sua história. Tendemos a pensar que há algumas pessoas notáveis (chefes de grandes e poderosas nações, astros da música, do cinema ou do esporte, líderes religiosos etc.), ao passo que todos os demais, meros mortais, estariam relegados a um segundo plano, a levar uma vida insignificante. No entanto, deveríamos repelir com energia essa ideia falsa. Cada um dos seis bilhões de seres humanos que povoam o planeta é dotado de uma imensa dignidade. Precisamente por isso, cada um é insubstituível e nasce com uma missão a desempenhar.
Sendo assim, a família, os amigos, a sociedade em que está inserido e toda a humanidade fica “desfalcada” quando alguém não descobre sua missão ou se recusa segui-la.
Essa maneira de encarar a existência não é um simples recurso de motivação. Não é um tópico extraído de um livro de autoajuda. É a realidade mais palpável e concreta de cada ser humano. E assim colocadas as coisas, então nos é factível amar o mundo. Com efeito, apesar dos muitos problemas, temos uma missão de amor e paz a desempenhar pela família, no trabalho, com os amigos e com todas as pessoas com quem convivemos.
Porém, essa maneira de pensar na nossa existência não pode ser uma ideia vaga e abstrata, uma espécie de narcótico para momentos de depressão. Ao contrário, há de se traduzir em ações bem concretas. Trata-se, por exemplo, de nos esforçarmos cada dia por fazer um trabalho bem feito, com perfeição, cuidando dos detalhes, ainda que ninguém o aprecie ou que não recebamos um justo reconhecimento. Aliás, o reconhecimento que buscamos é com a nossa consciência, por estarmos agindo coerentes com a nossa missão.

Talvez já tenhamos observado uma brincadeira de criança e que várias se mantêm imóveis, até que uma delas vai correndo tocando nas outras. Essas, ao serem tocadas, uma a uma, começam a correr, até que todas se põem em movimento, alegres e sorridentes. Algo de semelhante ocorre conosco. Ainda que a missão de cada um seja única, todas têm em comum esse atributo de comunicar vida e alegria, que contagiam. E assim se ama o mundo amando as pessoas que o povoam, num afã sempre renovado de ser feliz, ao mesmo tempo em que se ocupa de fazer os outros felizes.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Projeto familiar

Quanto se fala em construir um projeto de vida, é comum pensar na escolha da profissão, sonhar com a ascensão na carreira escolhida, ganhar dinheiro, comprar uma casa, carros, viajar. Em suma, almeja-se um sucesso profissional. Essas coisas são importantes para a realização pessoal. Mas e a família? Não deve ela também ocupar um lugar de destaque nos nossos sonhos e projetos?
Deixamo-la de lado, ao menos quando elaboramos os nossos projetos, muitas vezes por pensarmos que não há muito que planejar ou o  fazer para buscar o sucesso também na vida familiar. Quanto ao sucesso profissional, sabemos bem o caminho a percorrer: cursar uma universidade, ingressar numa boa empresa, ser aprovado num concurso público, montar o próprio negócio etc. Em cada profissão escolhida há um itinerário para atingir a excelência.
Quanto à vida familiar, em especial o casamento e a educação dos filhos, tendemos a considerar que se trata de um campo em que o que entra em jogo é apenas o sentimento. E, sendo assim, não há muito que se possa fazer para assegurar o sucesso também nessa área.
De fato, as relações familiares são fortemente marcadas pela afetividade. Deve mesmo haver afeto entre marido e mulher, como ademais esse há de ser nutrido entre pais e filhos. No entanto, equivoca-se quem pensa que esses relacionamentos sejam mantidos exclusivamente pelo sentimento. Também podem e devem ser norteados por compromissos livremente assumidos e pelos quais se luta por honrar, tendo sempre como fim e como causa o amor que não pode faltar numa família. E o amor é sentimento, mas está também na vontade de querer amar cada vez mais a esposa, o marido e os filhos.
Essa maneira de encarar as relações familiares é importante para nortear as escolhas e decisões que tomamos no curso das nossas vidas. Isso porque se colocamos intenso empenho na busca do sucesso profissional, trabalhando muitas horas por dia e buscando sempre aprimorar mais os conhecimentos, maior esforço ainda merece ser dedicado à esposa, ao marido e aos filhos.
E isso não pode ficar em meras considerações teóricas, mas há de se traduzir em propósitos e ações bem concretas no nosso dia-a-dia. Trata-se, por exemplo, de o marido se esforçar por se lembrar das datas importantes para a esposa, anotando na agenda, se necessário. É o caso de a esposa também procurar fazer aquilo que agrada ao marido, esmerando-se para estar bem vestida e amável também em casa, e não apenas quando se tem algum compromisso social. E que o marido saiba reconhecer e valorizar esse esforço dela...
A educação dos filhos bem merece um capítulo a parte. Mas o essencial é encarar o assunto como prioridade em nossas vidas. Soube de um pai que foi convidado a comparecer a uma reunião na escola do filho. Chegando lá, esse indagou surpreso: “Pai?! Você não tinha um compromisso importante hoje?”. “Sim. O Diretor Presidente da empresa estará visitando a nossa unidade hoje e haverá um almoço com ele. Porém, neste momento, não há nada mais importante a fazer do que cuidar da sua educação”, respondeu o pai com ar de ternura e acolhida.

Pesquisas mostram que um dos maiores traumas sofrido pelas pessoas é aquele decorrente da ruptura de um relacionamento conjugal. De igual modo, conhecemos bem a frustração e amargura que causa ver nossas filhas e filhos perdidos e desorientados, infelizes por não encontrar um sentido para as suas vidas. Assim, a felicidade e a realização pessoal dependem fortemente do empenho que fazemos para amar cada dia mais a esposa, o marido, os filhos e os pais. Afinal, já se disse com muita propriedade: “Não há sucesso profissional que compense o fracasso no lar”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Valores ou virtudes?

Há um consenso, ao menos em teoria, sobre a necessidade de se cultivar os bons valores na família, na escola, nas empresas, no serviço público e na sociedade em geral. No entanto, há uma forte resistência em se sustentar a necessidade de se formar as pessoas nas virtudes. É como se essa palavra trouxesse um ranço de religiosidade que deva ser evitada.
Nesse cenário, fala-se em valores como uma espécie de eufemismo para as virtudes. Muitas vezes, porém, se evita pura e simplesmente falar nessa última pelo comprometimento ou esforço que ela exige. Mas será que as expressões têm o mesmo sentido? Mais ainda, a mulher e o homem moderno poderão simplesmente abandonar a luta para adquirir virtude, quiçá por não mais ser necessária no mundo em que vivemos?
Penso que os valores sempre foram e sempre serão fundamentais em qualquer organismo social. Eles expressam aquilo em que se acredita e dá sustentação às instituições. Tomemos como exemplo o respeito numa família ou numa escola. Uma vez definido como um bem, ele passa a orientar as decisões e a própria convivência.
Porém, ainda que os valores sejam de especial relevância, eles são externos aos indivíduos e não asseguram, por si sós, que as pessoas ajam de maneira coerente com o que se prega. Tomemos como exemplo uma escola ou uma família em que se cultiva a solidariedade. Poderá, nesse caso, promover eventos que estimulem as ações solidárias. Poderá, também, expor aos alunos ou aos filhos a importância disso na convivência. No entanto, por muito que se fale e pregue, praticar ações práticas e concretas pelo bem do outro sempre custará esforço, sendo necessário, muitas vezes, superarmos a nossa tendência ao egoísmo e ao comodismo.
Assim, é perfeitamente possível proferirmos belas palavras ou discursos sobre a solidariedade e, no entanto, diante de uma necessidade concreta de um irmão ou de um colega, tratá-lo com indiferença ou sequer notarmos que passa por uma dificuldade que o faz triste ou abatido, necessitado de um pouco de atenção e carinho.
Diante disso, é fundamental adquirirmos virtudes. Elas são necessariamente interiores e pessoais. A sua aquisição pressupõe um esforço reiterado e constante. No nosso exemplo acima, se os membros da família ou da escola se dedicarem a praticar a solidariedade em ações bem concretas, como realizar pequenas tarefas que façam mais agradável a vida dos demais, ceder o melhor lugar ao outro, cuidar dos doentes etc., essa reiteração permitirá que se formem hábitos bons. Esses, por sua vez, predispõem as pessoas a atuarem daquele modo. Vale dizer, forjam-se as virtudes. E então elas estarão no coração das pessoas e não apenas na sua boca, no papel ou no regimento escolar.
Lembro-me de uma discussão que presenciei entre dois colegas na Universidade, que talvez ilustre o que estamos a sustentar. Caminhavam nas imediações do Largo de São Francisco, em São Paulo, quando um pedinte se aproximou. Um deles parou, escutou o que o outro pedia, fitando-lhe com respeito nos olhos e ouvindo atentamente. O estudante, apesar dos parcos recursos, foi a um restaurante e comprou um prato feito, entregando-o ao mendigo. O outro, então com fortes convicções marxistas, protestou: “Você está estimulando o capitalismo selvagem! O problema está nas instituições. Enquanto a classe proletária não se levantar contra a concentração da renda e contra essa burguesia que explora o trabalhador, não resolveremos o problema desse homem!”.
Com muito senso de humor, mas também com valentia, respondeu o primeiro: “Camarada, mas enquanto a revolução não chega, a classe proletária precisa comer!”. E, depois, de uma descontraída risada, prosseguiu: “Vamos tomar uma cerveja!”.

Os valores e as ideologias, por si sós, não mudam as pessoas por dentro. E se elas não se transformam, tampouco irão renovar a sociedade, que é formada por seres humanos. Por isso, é fundamental que haja bons valores na escola, na sociedade e em qualquer grupo social. Mas são as virtudes, arraigadas nos seus membros, que os sustentam e fazem com que se traduzam em ações concretas, aptas a fazer esse mundo mais humano.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Ano da Fé

O Papa Bento XVI proclamou recentemente um Ano da Fé, que terá início na próxima quinta-feira, dia 11 de Outubro de 2012, terminando em 24 de Novembro de 2013. E, como preparação e proclamação, redigiu uma carta apostólica intitulada Porta Fidei ­(Porta da Fé).
O documento merece ser lido e meditado. Mas não é nosso propósito comentá-lo. Desejo apenas ater-me a um aspecto que nos parece relevante na educação dos filhos e alunos. Refiro-me ao ponto em que o Papa conclama a todos para intensificar “a reflexão sobre a fé” e a confessá-la, dentre outros ambientes, “nas nossas casas e no meio das nossas famílias”.
Com profundo respeito aos que pensam diferente, acredito que os pais têm o dever de educar os filhos na fé. Essa criatura que vem ao mundo nasce com o direito de que seus genitores, ao mesmo tempo em que lhe transmitem a vida, saibam também dar um sentido profundo e eterno à sua existência. E isso não é relativo nem depende do ponto de vista, ainda que alguns, mais por conveniência do que por convicção, insistam em negar.
Outro dia eu andava a meditar sobre como argumentar com os relativistas sobre as verdades eternas. A minha filha, então com nove anos, percebendo que o pai parecia um pouco distante, me perguntou: “Pai, você está preocupado com alguma coisa?”. Então disse a ela: “Há pessoas que acreditam em Deus e há outras que não. E como dizer às que não acreditam que elas não têm razão?”. Ela pensou um pouco e depois concluiu: “Bem, diga a elas que Deus não deixará de existir somente porque elas não acreditam”.
Transmitir a fé aos filhos não lhes tolhe a liberdade se nos ocupamos de lhes expor não apenas no que cremos, mas, principalmente, por que cremos. A fé não é contrária à razão. Como bem expõe o Santo Padre: “não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade”.
Além disso, ao transmitirmos a fé aos filhos, temos de fazê-lo com profundo respeito à liberdade das suas consciências. Assim, não é possível impor nada, mas simplesmente propor. Aliás, como bem expõe o Santo Padre no final da sua carta, a fé nos move para o amor. E ninguém pode ser forçado a amar. Com efeito, ou se ama livremente ou não se ama. Nesse sentido, a catequese que se há de levar a cabo no seio das famílias é aquela que promove a transmissão dos conhecimentos acerca de Deus e da natureza humana. Mas esse conhecimento não será jamais um fim em si. Bem ao contrário, há de mover nossos filhos a amá-Lo e a amar aqueles que Ele ama.
Certa vez uma mãe entrou numa igreja para fazer uns minutos de oração. A filha de cinco anos estava com ela. Então a mãe disse: “Filha, aqui você pode conversar com Deus. Você pode pedir a Ele o que quiser”. A criança se ajoelhou e ficou uns instantes em silêncio. Depois saíram. No caminho, pegaram o irmão mais velho, que se encontrava noutro local. Então menina disse a ele: “Pedro, eu fui rezar com a mamãe”. “Ah é?! E o que você pediu pra Ele?”, indagou o irmão. Nesse momento a mãe estava certa de que ela havia pedido para ganhar uma nova boneca. Porém, para surpresa de todos, ela respondeu: “Eu pedi para ganhar um irmãozinho”. A mãe ficou perplexa. E mais surpresos ainda ficaram quando, onze meses após, ela já posava para uma fotografia na maternidade com o irmãozinho no colo...

Penso que é nesse ambiente que o Papa nos convida a viver a fé em nossas casas e no seio das nossas famílias. Com naturalidade, respeito e, sobretudo, comunicando o amor de quem acredita na vida.