Assistimos nos últimos dias
uma enorme multidão tomando as praças e ruas das nossas cidades em manifestações
de protesto. Nesses movimentos fica evidente uma enorme insatisfação. No
entanto, talvez ainda não nos esteja muito clara a sua causa mais profunda. Não
é possível que seja apenas o aumento da tarifa de ônibus. O que de verdade
retirou esses jovens da passividade e os moveu para a luta?
O brasileiro nutre um grande
amor pela sua Pátria, mas também traz na alma uma baixa autoestima. Crescemos
ouvindo comparações de que tudo o que é nosso é pior que o que ocorre lá fora.
São frases do tipo: “nos Estados Unidos a polícia é assim, agora aqui...”, “em
tal País da Europa o ônibus urbano tem isso e aquilo, mas no Brasil...”.
E então ficamos como que à
procura de algo em que verdadeiramente somos bons, talvez para mostrar aos de
fora e a nós mesmos que não estamos tão ruins assim. Quem não se emocionava,
alguns anos atrás, vendo o Ayrton Senna fazendo tremular a bandeira brasileira
em chãos europeus e em diversos cantos do mundo?
Nesse cenário, o futebol
merece um capítulo a parte. É que aqui podemos nos orgulhar de sermos bons. Mas
também nesse ponto nos resta uma forte dose de melancolia: exportamos os nossos
heróis, pois não temos dinheiro nem competência para mantê-los em nossos
estádios...
Aliás, durante muito tempo
exportamos o que temos de melhor. Quantas vezes vimos em nossos produtos a
frase “tipo exportação”, com isso querendo dizer que possui uma qualidade
superior a daqueles que destinamos ao consumo interno. Acontece que, com isso,
transmitimos a nós mesmos a mensagem de que somos menos dignos que os norte-americanos,
europeus e japoneses, que têm o direito de receber o melhor do nosso café,
açúcar, carne etc.
Essa baixa autoestima enraizada e nossa
consciência como cidadãs e cidadãos brasileiros é frequentemente agravada com o
mau exemplo de nossos governantes. Muitas vezes parece que zombam de nós
malversando dinheiro público impunemente. E, para agravar esse cenário, vemos
também a absurda ineficiência das nossas instituições para evitar e punir as
transgressões à Lei. Frequentemente a mídia nos traz a imagem – real ou
deturpada – de uma crônica impunidade. E isso abala até o anseio natural que
toda mulher e todo homem traz em si de agir para o bem, conforme a sua
consciência.
Mas não estamos satisfeitos
com isso. Ninguém gosta de ser tido como menos digno que ninguém, precisamente
porque a dignidade da pessoa humana é imensa e nenhum ser ou povo que habita
este planeta pode ser considerado ou tratado como inferior a outro. Essa
passividade que nos marca é, no fundo, o desalento que brota de que acreditar
que não há o que possa ser feito para mudar esse estado das coisas.
Mas eis que surgem uns
jovens “rebeldes” que protestam, inicialmente, contra o aumento da tarifa de
ônibus. E tomam as ruas na luta por essa causa. E então esse sentimento aflora
num enorme grito de: BASTA! Somos dignos sim e queremos ser tratados como tal.
Tanto que o grito que marejava nossos olhos era: “eu sou brasileiro, com muito
orgulho, com muito amor...”.
Quando alguns manifestantes
tentaram invadir o Congresso Nacional, um Senador pediu a eles a lista de
reivindicações, que não foi apresentada. Na verdade não a tinham. Num primeiro
momento pareceu ser uns rebeldes sem causa. Mas não. Clamam por dignidade,
ainda que sequer para os manifestantes estejam muito conscientes disso.
A lição foi muito clara. O
Gigante verdadeiramente acordou, como diziam os manifestantes. Foi um primeiro
sinal de que estamos fartos de ser considerados pessoas de quarta categoria
confinados num terceiro mundo. É certo que a mudança dessa situação dependerá
do trabalho árduo e perseverante da cada brasileira e de cada brasileiro que
saiu – fisicamente ou apenas com o desejo – às ruas para protestar. Mas, caros
governantes e detentores do poder em qualquer esfera, fiquemos de olhos bem
abertos diante de uma multidão que clama: “estamos aqui e estamos vivos e
sedentos de construir uma Nação em que reine a dignidade para todos”.
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